Dizer que uma proposição é verdadeira significa dizer o conteúdo que ela expressa é verídico, que se confirma. No entanto, não temos informação se a expressão é verdadeira por acaso, poderia igualmente ser falsa, ou se ´deve ser verdadeira, sendo esse seu estado natural.
Em nossa sequência de publicações estamos tratando da chamada lógica clássica e seus princípios: o princípio da identidade (p é igual a p), o princípio da não contradição (p é diferente de não p), e o princípio do terceiro excluído (p é verdadeiro ou é falso).
Ao analisar a utilização da indução, dedução e analogia como ferramentas de argumentação partimos desses princípios. Podemos dizer que a lógica clássica se preocupou com a forma e a estruturação dos argumentos, buscando responder: se as premissas são verdadeiras, a conclusão será, necessariamente, verdadeira? e assim formar estruturas de pensamento argumentativo que sejam facilmente validadas ou rejeitadas.
Uma das motivações dos primeiros pensadores da lógica era contrapor os sofistas e sua oratória e retórica. A ferramenta dos sofistas era a linguagem natural e o discurso, e, por serem relativistas, estavam interessados em vencer debates, não em buscar a verdade, sendo esse o objetivo dos filósofos.
Essa rivalidade levou os pensadores da lógica a proporem sistemas de análise que se valem de linguagens artificiais, eliminando as ambiguidades comuns de qualquer língua natural. Assim poderiam analisar os argumentos transformando-os em sentenças e fórmulas a serem analisadas, chegando então à conclusões sobre a veracidade do conteúdo.
Lógica modal alética
Propor símbolos e fórmulas para tratar o pensamento não eliminou toda a ambiguidade, pois com vimos no exemplo do pensamento dedutivo para gerar provas, por vezes a lógica clássica pode não ser tão precisa.
Exemplo:
Seres humanos podem sobreviver até cinco dias sem água;
Marcelo é humano;
Marcelo pode sobreviver cinco dias sem água.
Afinal, ao fazer essa afirmação, estamos dizendo que Marcelo irá sobreviver cinco dias sem água, dando garantia de que a proposição é verdadeira? Ou estamos dizendo que pode-se esperar que isso aconteça, dando esperança de que seja verdade.
Para abordar esse problema a lógica modal alética introduz dois operadores:
- é necessário que
- é possível que
Assim, no caso de gerar provas, podemos dizer com precisão:
As digitais de Fulano estavam na arma.
A arma foi usada para cometer um crime.
Logo, é possível que Fulano tenha cometido o crime.
O mesmo se aplica ao caso da água:
Há relatos de Seres humanos que sobreviveram cinco dias sem água;
Beltrano é humano;
Logo, é possível que Beltrano sobreviva cinco dias sem água.
A coração pulsando gera a vida do corpo;
Seres humanos tem corpo;
Logo é necessário que o corpo tenha um coração pulsando para ser vivo.
Como dissemos, a lógica trata a forma dos argumentos, então:
A alma gera a vida do corpo;
Seres humano tem corpo;
Logo é necessário que o corpo tenha alma para ser vivo.
Mundos possíveis
Leibniz propôs um conceito de mundo possíveis enquanto se ocupava em entender a interação entre alma e corpo. É dessa linha de pensamento que vem a inspiração para entender as proposições do que é possível e do que é necessário.
Uma proposição é necessária se for verdadeira em todos os mundos possíveis;
Uma proposição é possível se for verdadeira em pelo menos um mundo.
No exemplo do crime… se há um mundo em que é possível dizer que Fulano tocou a arma, deixando suas impressões digitais, mas que outra pessoa, possivelmente usando luvas, cometeu o crime, então não podemos considerar que seja necessário que Fulano seja culpado, mas isso é possível.
Mundos acessíveis
Saul Kripke (1940-) propôs uma solução para delimitar o que é, afinal, possível nessa concepção de mundos possíveis.
Ele introduziu o conceito de uma relação de acessibilidade entre os mundos. De maneira geral, podemos dizer que um mundo é acessível, quando ele é concebível.
Exemplo:
Nosso mundo, vamos chamá-lo de m1, possui telefones celulares.
Em nosso mundo é possível conceber a ideia de que há um mundo, chamado m2, em que não existem celulares.
No entanto, para quem está em m2, é impossível conceber que há um mundo m1 com telefones celulares, pois este conceito não existe em m2.
Assim, m2 é acessível à m1, mas m1 não é acessível à m2.
O conceito de mundos acessíveis libera a imaginação humana para traçar argumentos extrapolando a realidade, mas limitados à ela, já que não podemos imaginar algo que nunca experimentamos.
Pra que serve isso tudo?
Para pensar.
Esses instrumentos podem ser utilizados para fortalecer seus argumentos, comprovar suas teses ou ainda para testar teses e proposições que lhe são apresentadas.
Imagine-se dizendo: “Há uma possibilidade de que as coisas não sejam exatamente como você descreve. Posso te apresentar um conceito de mundo em que tudo aconteceu de forma diferente. Logo, o que você me diz é possível, mas não necessário. Isso é lógica!”
Pensar, e pensar sobre o pensar. Isso nos faz humanos.
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